Diante dessa “materialidade em fuga”, o pensamento do corpo é aquele que enfrenta um limite no qual a linguagem já não pode determinar o que é um corpo, onde a própria questão “o que é um corpo” deixa de fazer sentido.
Isso não quer dizer que o corpo emudeça o pensamento: pelo contrário, é justamente diante dessa fronteira irredutível que o pensamento se constitui como uma força que atravessa o senso comum propondo novas formas de sentir e estar junto. Pois, ao suspender a possibilidade da linguagem de definir o que é o mundo, suspendem-se também as relações de poder que estão configuradas nesse mesmo mundo. Logo, o pensamento do corpo é sempre político, mas não está nunca no lugar do instituído, está sempre, ele próprio, em suspensão.
O pensamento do corpo embaralha as oposições entre passividade e atividade, entre afetar e ser afetado, entre movimento e repouso, entre forma e matéria, todas elas entreligadas na constituição do pensamento ocidental desde Platão e Sócrates. Segundo essa tradição, a materialidade do corpo é o lugar da passividade que só toma forma e se movimenta através da ação de uma força externa.
Ao afirmar que ainda não sabemos o que pode o corpo, Espinosa está reconhecendo que a possibilidade do corpo de ser afetado é um lugar potente, na qual a distinção entre passividade e atividade adquire outros sentidos.
Esse apagamento da prática empírica revelaria, ainda segundo Pouillaude, além do desconhecimento dos filósofos, uma dificuldade intrínseca da dança em se constituir como objeto de arte tal qual o conhecemos. Essa fragilidade se expressaria pela dificuldade de escrita de uma obra coreográfica que parece sempre intrinsecamente dependente da presença daquele que a criou. Ou seja, a dança na sua impossibilidade de repetir coloca em xeque a noção de obra. A consequência dessa posição desafiadora que a dança coloca para o objeto de arte é que, com isso, as próprias práticas artísticas são excluídas da reflexão estética.
Sem pretender aqui esgotar essa discussão, é interessante pensar de que modo tanto a dança como o que chamamos de pensamento do corpo forçam a recriar e questionar as fronteiras reconhecidas entre arte, pensamento e política.
Nesse sentido, falar em Corpo do Pensamento implica em reconhecer que a suspensão da lógica da significação (da possibilidade de definir o que é um corpo) não implica que possamos transformá-lo em uma entidade imaterial, neutra, sem peso nem cor, nem história. Pelo contrário, implica em considerá-lo como algo que só existe e só resiste (para continuar com Rainer) NO mundo e em relação com as forças históricas e políticas em jogo. Como apontam Gilles Deleuze e Félix Guattari no capítulo do livro Mil Platôs, Como criar para si um corpo sem órgãos:
Desfazer o organismo nunca foi matar-se, mas abrir o corpo a conexões que supõem todo um agenciamento, circuitos, conjunções, superposições e limiares, passagem e distribuições de intensidade, territórios e desterritorializações (Deleuze e Guattari, 2004: 22).