As ‘estratégias de criação (ou de existência)’ são as camadas e superfícies da criação artística, isto é, são as várias dimensões do gesto artístico. Estas camadas, numa imagem, assemelham-se a peles, isto é, superfícies suficientemente consistentes mas que guardam porosidade, que são passíveis de serem combinadas e extravasadas uma na outra. Uma característica própria da pele é a contiguidade entre interioridade e exterioridade, a exemplo da fita de Moebius. Distanciamo-nos, portanto, do entendimento das ‘estratégias de criação’ como couraças ou meramente superposição de superfícies, pois elas são plásticas e permeáveis.
As estratégias aqui reunidas tampouco são entendidas como instrumentos, onde o sujeito que cria ‘aplica’ determinada estratégia ou se utiliza dela sem considerar seus agentes e contexto de inserção. Procuramos selecionar estratégias que articulem desejo e ambiente de criação, que tomem cada situação de criação como condição e elemento atuante (não precisando, no entanto, serem marcadamente trabalhos site specifics). Desta maneira, as estratégias não são ações abstratas nem meramente instrumentais, embora possam guardar em si certa lógica interna.
As estratégias de criação estão, portanto, ligadas diretamente à percepção sensível, são, operações sensíveis ou, melhor dito, operações para desestabilizar e mudar os modos de sentir.
Pensando estratégias de criação como modo de articulação de materiais, podemos selecionar três momentos que não necessariamente acontecem em sucessão mas que são, digamos, dimensões da criação:
1 – maneiras de fazer: centrado na percepção do artista em relação a seus materiais, como os materiais aparecem para o artista?
2 – formas de visibilidade: são as formas de encenar, a composição e dramaturgia, além da relação entre os atuantes e observadores.
3 – modos de pensar as relações: o que a cena dá a pensar? o que as estratégias dão a pensar? A análise crítica em relação a obra de arte.
Os textos e imagens que se seguem buscam usar estes critérios a fim de aproximar artistas e obras, procurando transitar no campo das singularidades, dos interesses e dos contextos específicos.
CURIOSIDADE: O filósofo Michel de Certeau, distingue, no livro A invenção do cotidiano: modos de fazer, ‘estratégia’ de ‘tática’. As estratégias estariam ligadas a ordens dominantes, ao status quo ou ao Estado, sua identidade e modos de operar já estão dados. Já o modelo da ‘tática’ é baseado na improvisação, na ‘dádiva’, no tempo oportuno. Uma tática se infiltra em determinada estratégia. Associada à guerrilha, o ‘tático’ não se manifesta em produtos mas no processo, ela ‘habita’ as coisas para que elas se tornem suas. Aqui não faremos esta distinção mas informará bastante observá-la e relacionar-se com ela.